“O direito de não ler.” “O direito de saltar páginas.” “O direito de
não acabar um livro.” No bloco C da Escola Básica e Secundária de Ponte
da Barca é o colorido dos “Direitos Inalienáveis do Leitor”, enunciados
por Daniel Pennac, que quebra a monotonia da parede amarelada. As frases
são pintadas a grená, com excepção da primeira letra de cada uma delas,
que surge destacada numa pequena tela ornamentada como uma iluminura
dos escritos clássicos.
Um dos “O” está cortado a meio e o director, Carlos Alberto Louro,
nota-o: “Às vezes algum engraçadinho estraga isto e é preciso voltar a
fazer.” A escola de Ponte da Barca é a 5.ª melhor do ensino público no
ranking do sucesso (a 3.ª, se forem tidas em consideração exclusivamente
as escolas públicas). Mas, como todas as escolas, não é perfeita:
“Também há quem se porte mal.”
Na hora em que os alunos regressam
às aulas depois de um curto intervalo, não há ruído no amplo pátio entre
as salas. O bloco C é 20 anos mais novo do que o resto da escola,
construída em 1983. É aqui que estão os laboratórios, o auditório e
também a biblioteca, que é uma espécie de “menina dos olhos” para a
direcção e os professores.
A biblioteca escolar é igualmente uma peça fundamental para esta
escola no Alto Minho que, desde que o Governo começou a divulgar o
indicador de sucesso — que assinala escolas onde mais alunos conseguem
fazer todo o ciclo de estudos sem chumbar e que permite fazer um
“ranking alternativo” ao das médias de exame — tem estado entre as
melhores do país.
Foi esta a visão que a escola construiu nos últimos 13 anos. A biblioteca é a primeira das Medidas Estruturais de Acção Educativa definidas pela comunidade escolar. Desde Novembro de 2012, alunos, professores e pais promovem a leitura através de um programa semanal na Rádio Barca — a única emissora local —, que já tem mais de 200 emissões. A iniciativa valeu o prémio “Ideias com Mérito” pela Rede Nacional de Bibliotecas Escolares há dois anos.
Ensino personalizado
Também é pela biblioteca que passa a
organização de feiras do livro, encontros com escritores, concursos de
escrita e o muito concorrido concurso de leitura. Quase todos os alunos
desta escola participam nesta competição, onde os estudantes de Ponte da
Barca têm chegado quase sempre às finais nacionais nos últimos anos.
“Participar
no concurso de leitura ajuda-nos a todos”, avalia João Ramos. Tem 17
anos, cabelo curtíssimo e um discurso fluído. Quer seguir engenharia
mecânica ou industrial e está a terminar o secundário na área de
Ciências e Tecnologias. Tem participado regularmente nos concursos de
leitura e essa experiência permite-lhe perceber que, para quem não está
habituado a ler, a competição “é uma altura em que os alunos podem
investir um bocadinho mais e descobrir” os livros. Para quem já é leitor
assíduo, “há sempre a possibilidade de ir às fases seguintes, a nível
regional ou nacional — e isso é sempre bom”, conta.
A aposta na
promoção da leitura deu frutos, sobretudo a Português que, com uma média
de 12,3 valores, é a disciplina em que os alunos de Ponte da Barca têm
melhores resultados. Essa classificação média vale-lhes mesmo um lugar
entre as 40 melhores escolas do país nessa disciplina nos exames
nacionais de 2017. Nas restantes matérias, os alunos da escola minhota
não conseguem ter resultados tão positivos e só conseguem estar entre as
200 melhores do país numa outra disciplina, História.
Além da
aposta na leitura, o que explica o bom desempenho da escola de Ponta da
Barca no ranking do sucesso? Dá-se a palavra aos alunos. “Tivemos quase
sempre os mesmos professores e isso é muito positivo”, sublinha João
Ramos, aluno do 12.º B. Colega da mesma turma, Rúben Lima antecipa um
futuro na investigação — “talvez Biotecnologia” — e vê o facto de as
turmas não serem demasiado grandes uma mais-valia daquele
estabelecimento de ensino: “Temos um ensino quase individualizado.”
Os indicadores do Ministério da Educação mostram ainda que uma das
marcas desta escola é a estabilidade do corpo docente, com 93,8% dos
professores a pertencem ao quadro. Este facto permitiu à direcção ter
estabelecido que, em regra, o mesmo professor acompanha uma turma ao
longo dos 10.º, 11.º e 12.º anos.
A escola é também relativamente
pequena — tem 211 inscritos no ensino secundário — e as turmas não têm
mais do que 22 ou 23 estudantes. Ainda assim, nas disciplinas que estão
sujeitas a exames nacionais, os alunos são divididos em grupos mais
pequenos, de 11 ou 12, para frequentarem o tempo de reforço lectivo
destinado a consolidar as aprendizagens nessas matérias.
Na parte
final do 3.º período, são promovidas aulas específicas para preparação
para exame e os professores têm indicações para construírem os testes ao
longo do ano tendo em consideração o modelo habitual das provas
nacionais e os respectivos critérios de correção.
Contexto difícil
“Os bons resultados são uma preocupação
transversal”, sublinha Carlos Alberto Louro. O director está nas funções
desde 1992 e, por isso, conhece bem o contexto em que trabalha, que
apresenta dificuldades de base a que a escola tem que responder.
O
agrupamento de Ponte da Barca é o único num concelho pequeno (cerca de
12 mil habitantes) e disperso, porque embora a maioria da população viva
na vila que é sede do município, chegam ali alunos que vêm desde a
aldeia de Lindoso, no Parque Nacional da Peneda-Gerês, até aos limites
do concelho de Ponte de Lima.
A realidade socioeconómica dos alunos é também diversa. Em regra,
cerca de metade são oriundos de famílias de baixos recursos económicos e
por isso elegíveis para os apoios da Acção Social Escolar. No ano
passado, os alunos apoiados pelo Estado foram 43,8% do total.
A
escolaridade média dos pais é também baixa. As mães chegam ao 9.º ano;
os pais têm o 7.º. De resto, apenas no último censo, em 2011, o concelho
ultrapassou os dois dígitos na percentagem da população com
habilitações de nível superior. Por isso, o director da Básica e
Secundária de Ponte da Barca considera que o facto de 60% a 70% dos
alunos que completam o secundário seguirem para o ensino superior deve
ser encarado “como uma grande conquista”.
Artigo disponível em
https://www.publico.pt/2018/02/03/sociedade/reportagem/o-segredo-do-sucesso-esta-dentro-da-biblioteca-1801562
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